Friday, March 30, 2007

O que se diz dos físicos


Havia uns tempos em que nos apresentavamos no técnico como vindo do "edifício lá do fundo", pois já que lá também está a matemática, ser de Física vindo de um daqueles departamentos até acabava por parecer cool. Hoje resta-nos o desespero, quando nos fazem a pergunta, de improvisar depressa uma forma de desviar a conversa para a reprodução assistida dos caracóis gigantes nas Galápagos; de facto, ser de Física tornou-se oficialmente a pior forma de geekismo conhecida, pior até que ser matemático, provavelmente porque eles acharam a forma de introduzir raparigas no departamento deles sem ter que criar um curso que as vá roubar a medicina. Os de letras, curiosos sempre na forma como se desenrolam as vidas dessas estranhas e misteriosas criaturas científicas, decerto gostariam de poder ter a oportunidade de conhecer um dia na pele do nerd de Física. Assim começa:

O Zé 'Pi-à-Quarta' (alcunha que lhe foi dada pelos outros como ele, pois quando chegou ao curso sabia os 298 primeiros dígitos do Pi elevado à quarta) acorda de manhã com o despertador a tocar às 6h48 - no seu referencial próprio -, levanta-se, dá uma volta à casa, lava os dentes e repara numa coisa curiosa no telemóvel; regressa então assim à cama pois afinal é domingo e ele esqueceu-se pela segunda vez neste fim-de-semana de desligar o despertador. Durante o caminho de volta para a cama não pensa em como foi parvo mas procura perceber como é que o despertador pode tocar a horas diferentes em dias diferentes sem violar a uniformidade fundamental do tempo e a periodicidade de Poincaré dos sistemas clássicos. Reza para que a violação de CP seja provada para que ele possa passar a mudar a hora do despertador sem sentir que está a fazer algo de cosmicamente errado.



No dia seguinte acorda à uma da tarde.
Ao chegar à faculdade decide espontâneamente faltar á aula de Mecânica Quântica VI e juntamente com os seus 3 colegas de ano e juntam-se ao professor que está na esplanada a apanhar sol. Durante a sua conversa definem o que é uma conversa de merda, quantos segundos de silêncio tem de haver entre cada frase para que esta seja uma frase de merda e ainda aplicam o formalismo lagrangeano às forças que levam todas as ideias que surgem para regiões de discussão censuráveis, encontrando leis de conservação, aproximações a grandes distânicias e verificações experimentais possíveis; são capazes ainda de arranjar uma analogia com a física do corpo negro. Entretanto fizeram uma estatística sobre a beleza das gajas que viram passar e mostraram a todos os seus colegas de curso para verem como elas são poucas.

Isto é o que as pessoas pensam. Na realidade, os físicos nunca faltam às aulas e a sua vivência social é integralmente feita na biblioteca. Os físicos são pessoas sérias, pois cabe-lhes a eles explicar o universo e deles depende também o futuro da tecnologia. Lembrêmo-nos que existem dois tipos de físicos: os engenheiros (para os quais as leis da física vêm tabeladas), os experimentais (cujas o desvendar das leis da física implica observatórios em sítios propícios cientificamente, como a Argentina, os Alpes ou o Hawaï) e os teóricos (que não sabem contar). São, verdade seja dita, pessoas amigáveis com grande sentido de camaradagem (em demasia para alguns...). O que quer que se diga dos físicos há de sempre ser em certa medida falso. Se tomarmos em conta o facto de que entre eles e os de matemática encontram-se pelo menos 10% de doentes de Asperger, 2% de autistas, 1% de esquizofrénicos, divindo-se os restantes pelos mais variados e exóticos síndromas psicológicos (incluindo a normalidade inadaptada e a bebedeira crónica), é de facto impossível prever como se comporta o físico médio. Se há num sítio onde eles próprios foram incapazes de desvendar as leis regentes foi no seu próprio comportamento. Em geral, quem segue física tem de facto já uma apetência para pensar em assuntos que pouco ou nada preocupam a grande maioria das pessoas, o que faz com que seja normal que muitas vezes pareçam ligeiramente extravagantes. Não há nada a fazer, a profissão de físico é uma profissão criativa, o que implica que para se ser bom é necessário chamar a atenção, tal como o fazem os artistas plásticos ou os cantores de rock. Não consigo ao certo justificar porque uma coisa implica a outra, mas terá com certeza a ver com o facto dum trabalho pensativo e de produção introvertida obriga a que a pessoa se vire para a sua própria mente, criando hábitos que funcionam lá dentro mas que são algo estranhos no cabimento dos olhares exteriores. Claro que um físico não resolve uma equação em palco diante de milhões de fãs histéricos durante um festival de verão, mas compensa atravessando alegremente as portas de vidro fechadas, esperando por várias horas que o almoço aqueça quando ele está a aquecer o bico do fogão errado ou quando consegue fazer 18 piadas diferentes sobre unidades de energia. Os físicos não são nem geeks nem nerds. São simplesmente "diferentes".

Saturday, March 10, 2007