
Havia uns tempos em que nos apresentavamos no técnico como vindo do "edifício lá do fundo", pois já que lá também está a matemática, ser de Física vindo de um daqueles departamentos até acabava por parecer cool. Hoje resta-nos o desespero, quando nos fazem a pergunta, de improvisar depressa uma forma de desviar a conversa para a reprodução assistida dos caracóis gigantes nas Galápagos; de facto, ser de Física tornou-se oficialmente a pior forma de geekismo conhecida, pior até que ser matemático, provavelmente porque eles acharam a forma de introduzir raparigas no departamento deles sem ter que criar um curso que as vá roubar a medicina. Os de letras, curiosos sempre na forma como se desenrolam as vidas dessas estranhas e misteriosas criaturas científicas, decerto gostariam de poder ter a oportunidade de conhecer um dia na pele do nerd de Física. Assim começa:
O Zé 'Pi-à-Quarta' (alcunha que lhe foi dada pelos outros como ele, pois quando chegou ao curso sabia os 298 primeiros dígitos do Pi elevado à quarta) acorda de manhã com o despertador a tocar às 6h48 - no seu referencial próprio -, levanta-se, dá uma volta à casa, lava os dentes e repara numa coisa curiosa no telemóvel; regressa então assim à cama pois afinal é domingo e ele esqueceu-se pela segunda vez neste fim-de-semana de desligar o despertador. Durante o caminho de volta para a cama não pensa em como foi parvo mas procura perceber como é que o despertador pode tocar a horas diferentes em dias diferentes sem violar a uniformidade fundamental do tempo e a periodicidade de Poincaré dos sistemas clássicos. Reza para que a violação de CP seja provada para que ele possa passar a mudar a hora do despertador sem sentir que está a fazer algo de cosmicamente errado.
No dia seguinte acorda à uma da tarde.
Ao chegar à faculdade decide espontâneamente faltar á aula de Mecânica Quântica VI e juntamente com os seus 3 colegas de ano e juntam-se ao professor que está na esplanada a apanhar sol. Durante a sua conversa definem o que é uma conversa de merda, quantos segundos de silêncio tem de haver entre cada frase para que esta seja uma frase de merda e ainda aplicam o formalismo lagrangeano às forças que levam todas as ideias que surgem para regiões de discussão censuráveis, encontrando leis de conservação, aproximações a grandes distânicias e verificações experimentais possíveis; são capazes ainda de arranjar uma analogia com a física do corpo negro. Entretanto fizeram uma estatística sobre a beleza das gajas que viram passar e mostraram a todos os seus colegas de curso para verem como elas são poucas.
Isto é o que as pessoas pensam. Na realidade, os físicos nunca faltam às aulas e a sua vivência social é integralmente feita na biblioteca. Os físicos são pessoas sérias, pois cabe-lhes a eles explicar o universo e deles depende também o futuro da tecnologia.
